sexta-feira, 27 de março de 2009

Teatro Extremo em Almada: 15 anos a criar novos públicos

Nascido em 1994, o Teatro Extremo assumia-se como uma companhia itinerante, vocacionada para a infância e juventude.
Tinha como grande objectivo cativar mais gente para o teatro. Hoje, passados 15 anos, o Extremo é uma referência no seu sector de actividade. E organiza um dos mais importantes
eventos culturais do país para o segmento infanto-juvenil: o festival Sementes, realizado, anualmente, em Maio. Em entrevista ao Almada Cultural, Rui Cerveira e Fernando Jorge Lopes (dois dos fundadores da companhia), reconhecem que muitos objectivos foram já alcançados: há mais público e uma indústria cultural mais pujante. Mas queixam-se da recorrente falta de apoios. E defendem que, para crescer e ampliar a actividade, precisam de novas instalações. Por isso mesmo, são um dos grupos que se candidataram à gestão do antigo Teatro Municipal de Almada.



O Teatro Extremo nasceu em 1994, com a intenção de ser uma companhia de teatro itinerante, vocacionada para o público jovem e para as crianças. O primeiro espectáculo chamava-se "Os Infernos da Barca", reunia textos de Gil Vicente, Shakespeare e Bertolt Brecht, numa "desconstrução" do Auto da Barca do Inferno. Era já um trabalho "portátil" e destinado ao público das escolas secundárias. Tal como o segundo, "O Capuchinho Branco Sujo", que actualizava a famosa e tradicional história infantil. (Audio de uma entrevista de Rui Cerveira sobre esses dois espectáculos, referindo a origem do Teatro Extremo e o panorama teatral almadense na primeira metade da década de 90, disponível aqui) O Teatro Extremo começou a ensaiar em Lisboa; mudou-se depois para um barracão de Cacilhas, onde, na época, ensaiavam vários grupos de teatro (o já demolido Espaço Lemauto, concessionado então à companhia Olho). Em 1995, o Extremo faz a sua primeira produção "fixa", num novo espaço, também em Cacilhas (instalações da Nimbus Portugal, na antiga Parry & Son). Era "Os Gnomos de Gnu", a partir do texto homónimo de Umberto Eco.Entretanto, fica sem espaço próprio, quando a Lemauto e o espaço da Nimbus são demolidos (em 1996) e começa a procurar casa própria - que consegue, alguns anos mais tarde, nas instalações que ainda hoje ocupa, em Almada Velha.Sem perder de vista o objectivo de formar novos públicos, começa a organizar, logo em 1996, o festival Sementes.
Primeiro como festival de teatro e, mais tarde, como uma mostra de artes, mais abrangente, mas sempre vocacionada para o "pequeno público".Em 2008, remodelam a sua sala de espectáculos. Mas consideram-se limitados no espaço que têm. E, para crescer e expandir a sua actividade, candidataram-se à gestão do antigo Teatro Municipal de Almada (processo que está a decorrer, com uma negociação entre a Câmara Municipal de Almada e diversos grupos do concelho).
Excertos da entrevista com Rui Cerveira e Fernando Jorge Lopes (disponivel na integra em http://vitorinices2.blogspot.com/):


Um dos vossos objectivos, anunciados desde o princípio, era cativar novos públicos. Ao fim de 15 anos, pensam que conseguiram concretizá-lo?
Fernando Jorge Lopes - Penso que sim.
Rui Cerveira - Nós notamos até que quando fazemos espectáculos para um público mais adulto, temos menos gente do que quando apresentamos produções para o público infanto-juvenil. E aí nós percebemos que esse público actualmente parece que tem maior apetência para vir ao teatro do que o público adulto. Isso tem a ver com o trabalho que se fez, e não só nós, as outras companhias, que trabalharam para esse público e que trouxeram as pessoas.

Como?
F.J.L. - Por exemplo, os pais vão com as crianças ao teatro. Sem as crianças não iam. Claro que uma das nossas grandes preocupações é trazer o público jovem. Aliás no nosso festival, a filosofia que está patente é que depois de um ano inteiro em que o público de Almada vem ver espectáculos, vai haver ali um concentrado, uma série de outras realidades artísticas, de propostas estéticas, de forma a que isso complemente a formação do público.

Quais são os apoios que o Teatro Extremo recebe da administração central?
R.C. - Temos de continuar a apresentar as candidaturas sempre. Não somos convencionados. Nos últimos 4 anos temos sido apoiados bianualmente.

Esse subsídio bianual é para a actividade toda do Teatro Extremo? Inclui o Sementes?
R.C. - Inclui o Sementes.

Não há um subsídio próprio para o Sementes?
R.C. - Do poder central não.

O subsídio que recebem da CMA é suficiente? Precisam de mais apoios?
R.C. - É óbvio que não é suficiente.
F.J.L. - A gente reconhece o esforço. Vá lá, já não será residual, como o do Ministério, mas é pouco para o trabalho que temos.
R.C. - Não chega a ser o dobro do que o Ministério nos dá.

Quantos são os elementos a tempo inteiro do TE?
R.C. - Os que recebem ordenado, todos os meses? Somos 10.

Portanto, vocês têm 10 pessoas a quem têm de pagar ordenado ao fim do mês?
R.C. - Exacto. Segurança Social, essas coisas todas. E está tudo dentro da legalidade, e pagam todos os seus impostos.
F.J.L. - Também duvidamos que isso seja a generalidade das coisas que acontecem no nosso país...
R.C. - A recibo verde só temos mesmo as pessoas que vêm por períodos de tempo. Ou vêm fazer um espectáculo, ou fazer formação, ou contratados por um mês para nos ajudarem no Sementes.

Candidataram-se à utilização do Teatro Municipal antigo por considerarem que o vosso espaço já não chega, ou têm outros objectivos?
R.C. - As coisas estão relacionadas. Por exemplo, na nossa sala, para fazermos um desenho de luz temos que usar mais projectores do que numa outra sala que tivesse umas medidas mais adequadas. E depois, um festival com o âmbito e com a dimensão do Sementes não se consegue fazer apenas com a nossa sala. Claro que nós podemos utilizar outros equipamentos do município, felizmente. Mas mesmo assim são poucos. Porque tens de fazer montagens, e num festival tudo isto a tempo. Se estás a fazer uma montagem não podes estar a apresentar o espectáculo. Tinhas necessidade de mais salas ainda no concelho.

Falaste em outros espaços do município. Isso inclui o Teatro Azul (novo teatro municipal de Almada)? Já lá foram?
R.C. - Já apresentámos lá um espectáculo. Mas torna-se pouco viável apresentar lá espectáculos do Sementes, porque eles nos pedem por dia 90 contos.

Eles quem?
R.C. - Quem faz a gestão do espaço, que é a Companhia de Teatro de Almada. E nós não temos esse dinheiro para estarmos a alugar uma sala. Eles têm também um apoio do município à programação. E portanto esperavamos que eles nos ajudassem, porque nós, ao apresentar lá espectáculos, estamos também a contribuir para a programação daquele espaço.

Isso não devia ser articulado com a Câmara?
R.C. - Deveria. Mas o que a Câmara nos diz é que o espaço é gerido pela Companhia de Teatro de Almada e que portanto ela é que sabe como é que consegue gerir aquele espaço sem ter prejuízo.

É então um espaço municipal, mas gerido pela Companhia de Teatro de Almada. Em que difere a vossa proposta para o Teatro Municipal da gestão actual de um espaço como o Teatro Azul?
F.J.L. - Em vez de nos estarem a pagar, ali tem de funcionar ao contrário. Tem de ser o teatro a arranjar maneira de ter o que os outros grupos não têm. Se estamos a queixar-nos de uma coisa, não é para repetir a mesma história, como é óbvio.