quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Feira do Fanzine de Almada explicada por quem a "inventou"


As origens da Feira Internacional do Fanzine de Almada remontam a 1986: era a primeira edição da Semana da Juventude (antes comemoravam-se o Dia da Juventude e o Dia do Estudante, como efemérides separadas) e um "fanzineiro" da terra foi a casa buscar as publicações que tinha, montou uma banca e expôs fanzines durante um dia inteiro... Só.

Mais tarde, apresentou à Câmara de Almada a proposta de fazer uma feira do fanzine "a sério". Tão a sério que, nos anos 90, foi um dos eventos mais imprtantes da programação da Casa da Juventude (Ponto de Encontro) em Cacilhas.

Pedro Morgado teve a ideia; José Pereira apoiou e acompanhou a realização do evento, desde a primeira edição.
Os dois são, actualmente, funcionários da Câmara Municipal de Almada. Em entrevista ao Almada Cultural, revelam as origens da feira, falam sobre o desenvolvimento da cultura alternativa durante a década de 90, e apontam perspectivas e expectativas. Receiam pelo futuro desta forma de expressão (porque a "concorrência" da internet é forte) mas lembram, também, que a Câmara de Almada tem a intenção de criar uma fanzinoteca - só que, até agora, o projecto não passa disso mesmo: um projecto e uma intenção.


Sobre as origens da Feira Internacional do Fanzine

José Pereira (JP) - foi na segunda Semana da Juventude, em 1986. Nenhum de nós era ainda funcionário ou colaborador da CMA, Na altura apareceu essa ideia de fazer a mostra dos fanzines. O Pedro Morgado foi buscar um caixote a casa cheio de fanzines. E montámos a banca ali no dia... Aquilo depois para a noite até ele foi buscar um petromax, para aquilo ter luz... Foi uma coisa de um dia, não passou disso
Pedro Morgado (PM) - era essencialmente banda desenhada nacional. O Geraldes Lino trouxe dois ou três amigos, que faziam fanzines. Eles trouxeram umas coisas, nós tínhamos outras... E assim se fez essa mostra.

Experiencias fanzineiras

PM - Por essa altura, 1987, também decidi que queria fazer uma fanzine para expressar algumas coisas que eu pensava, expressar a minha criatividade sob essa forma.Na altura até com outros amigos do Miratejo que eu convidei. Havia malta que escrevia, a fazer uns bonequitos e tal... A maior parte das pessoas acharam que era um desperdício de tempo e de dinheiro e que aquilo não levava a lado nenhum, que não valia a pena... Chamava-se Kenos. Era integralmente pago por mim, pelo autor. Quando muito a minha mãe ou o meu pai davam uma ajuda... Era beber menos uma cervejola, uns cafés, ou não comprar uns ténis...


Como apareceu e se desenvolveu a Feira do Fanzine

PM - Em 93 fiz o projecto para apresentar à Câmara de Almada (CMA). Consegui "vender" essa ideia porque usei o argumento que o público consumidor de fanzines naquela altura, os jovens, dali a quatro anos já seriam maiores de idade e já poderiam votar. E portanto que era uma óptima oportunidade para agarrar um potencial público eleitor. E eu continuo hoje convencido que foi esse argumento, que eu inventei na hora porque não estava a conseguir comunicar bem com a pessoa em causa, que ia decidir se isso era comprado ou não, ou se era feito ou não...
JP - Havia um funcionário da casa, que na altura era eu a acompanhar o projecto. Mas toda a ideia, toda a estrutura, todo o levantar dos alicerces da feira, foi tudo da responsabilidade da associação que propôs, o Toucinho do Céu (nr: associação informal criada por Pedro Morgado). A actividade, foi aceite, eles levantaram a estrutura toda e eu estava um bocado a levar com aquilo tudo por ser o profissional da CMA que estava a acompanhar. Não tinha ainda um grande envolvimento na criatividade, no processo de construção... As ideias convergiam para lá e eu fazia a montagem daquilo tudo. Com um bocado de carolice à volta daquilo.
PM - Tivemos o apoio, uma ajuda inestimável do Varela, que era do Centro de Cultura Libertária (CCL) que também tinha algumas dezenas de fanzines à venda e que disponibilizou esses fanzines, mais os que ele tinha em casa...E depois, os fanzines que falam de uma cultura alternativa normalmente trazem referência a outros fanzines, trazem contactos de outros. Havia fanzines que tu encontravas e tinham lá mais de 20 ou 30 contactos...
JP - Na feira de 94 eu e o Pedro passámos uns dois meses a desfolhar fanzines e a tirar moradas para um papel, para depois quando chegasse a altura de fazer os contactos a gente pôr aquilo tudo em cartas e mandar convites. As melhores feiras em Almada foram as que se realizaram a partir de 94 e até 99. Foram as que mexeram com mais gente, que tocaram mais gente. As que tiveram mais participação, com uns bons programas de animação. E isso resultou do entusiasmo das pessoas que lá trabalhavam. A gente gostava mesmo de fazer aquilo. Daí resultar tão bem.


Sobre o movimento cultural dos anos 90 em Almada

JP - Nós na casa da juventude em Cacilhas não tínhamos mãos a medir para a quantidade de coisas que nos apareciam. E éramos só dois...
PM - Houve ali alguns anos de franca actividade. E a feira do fanzine pelo menos serviu para isso... Como houve uma série de pessoas também que começaram a fazer fanzines, que também começaram a pintar, e não pintavam antes, houve malta que também não tocava e também começaram a fazer bandas...
JP - E estava tudo interligado!


Fanzines, "aldeia global", informação alternativa

PM - No fundo, se calhar, o papel ainda mais importante que os fanzines tiveram, e as feiras do fanzine concretamente, foi o potencial de aglutinação de pessoas. Porque podiam ou não partilhar dos mesmos interesses ou das mesmas ideias... Mas que juntou muitas pessoas, juntou. Nós chegámos a juntar lá (no Ponto de Encontro) umas boas centenas para ver os concertos... Mas também viam os fanzines e acabavam por fazer despesa no bar... acabavam por alimentar aquele sistema, que de alguma forma era espontâneo...
JP - E havia da parte dessas pessoas a procura de informação que não era a informação que havia, a informação "normal". E nós conseguimos aí fazer um bocado uma "mini-internet", chamemos-lhe assim. Através destes contactos todos que havia, chegámos a ter, no auge das feiras, 32 países representados. E o que fizemos ali foi basicamente o que a internet faz actualmente. Conseguimos, por exemplo, ir buscar opiniões sobre o mesmo tema, de vários pontos do planeta. Uma pessoa que estaria interessada em chegar à feira do fanzine e consultar aquela opinião, tinha aí uma visão global das opiniões sobre um determinado assunto...
PM - A feira do fanzine serviu mesmo como indicador da diferença de realidades culturais, por exemplo entre Portugal e Espanha, ou Portugal e o Brasil, ou Portugal e os Estados Unidos... De repente descobrimos que em Espanha havia centenas ou milhares de fanzines e que aquilo era uma coisa viva. Enquanto em Portugal andávamos aqui armados em provincianos...

Que futuro para os fanzines?


JP - Vendo aquilo que me chega, no que estou a preparar para a Feira deste ano, pelos contactos que fiz e pelas respostas que recebi, estão a esquecer um bocado qual é que é a própria função do fanzine. Nos anos 90 havia. pelas circunstâncias de estar a despertar uma série de áreas, uma série de actividades, o fanzine cresceu nessa altura. Actualmente o fanzine não é um suporte típico. O suporte típico é precisamente o contrário do fanzine, que é a informação mais disseminada, é a internet. Um fanzine não consegue neste momento combater esse tipo de coisas.
PM - Uma coisa é utilizar a internet à procura dum fanzine. Nesse caso tens de ter uma motivação de tu ires à procura de uma coisa. Outra coisa é chegar alguém ao pé de ti e dizer olha este fanzine. Perguntam o que é isto e tu explicas o que é um fanzine, e mostras e tal, e ofereces, no melhor dos casos. O processo de comunicação e de informação é personalizado, é uma cabeça e um coração de cada vez. Enquanto que na internet está lá e quem quiser vai lá. Como muita gente, se calhar até potenciais consumidores de fanzines, não sabem o que é um fanzine, nunca ouviram falar nem nunca viram um fanzine...
JP - Eu acho, e isto é importante, que actualmente os fanzines, pelo menos aqueles que me chegam, são feitos por menos jovens do que propriamente por jovens.Na minha opinião o fanzine é uma coisa que nunca vai acabar mas que está a diminuir drasticamente. Essa opinião vem do trabalho que eu estou a fazer este ano. Porque o cuidado que eu tive na divulgação, o cuidado que eu tive no contacto com as pessoas, não estou a ver nem um por cento do retorno, do feedback. O único feedback que eu estou a ter é aquele dos carolas que na altura quando eu ainda fazia as feiras do fanzine e que ainda se mantém no

E que tal uma fanzinoteca em Almada?

PM - Anda-se a falar há vários anos de criar uma fanzinoteca. Discute-se se deveria estar associada à juventude, à divisão das bibliotecas, onde é que deveria estar. Isso é uma questão para mim secundária. Agora, que deveria existir deveria, até porque eu pessoalmente tenho um espólio de umas centenas de fanzines em casa, aos anos, devidamente acomodados. E tinha todo o gosto e prazer de oferecê-los a um espaço onde eles fossem catalogados. E estivessem disponíveis para a população em geral.
JP - Mas aí também podes ter só os fanzines para lá e ninguém ir lá tocar...
PM - Não, não! É fazer uma fanzinoteca que esteja disponível para as pessoas como podem vir aqui aos computadores... E até pode ser uma listagem num computador, dos fanzines que tens, por países, por géneros, ou por anos... Quando eu comecei a fazer fanzines comecei "misteriosamente", entre aspas, não tinha o contacto directo com ninguém, recebi várias vezes cartas da Universidade do Minho a pedir-me dois ou três exemplares da minha publicação para eles terem lá na biblioteca. Sempre achei isso excelente. As pessoas que lá estão tiveram o interesse e a percepção, viram aquilo num jornal possivelmente, e decidiram vamos lá mandar uma carta a esta gente. Mas com as bibliotecas e com as câmaras e as universidades que há no país mais ninguém me fez isso, estás a ver? Isto demonstra logo que há pessoas que está interessadas em desenvolver, e outros...
JP - Eu percebo a tua ideia. Aliás, essa ideia é uma coisa de que já há muitos anos se anda a falar... Em Santo Amaro existem caixotes e caixotes de fanzines de edições anteriores da feira que estão à espera de uma proposta de classificação... A ideia quando se começou a juntar os fanzines que existiam no Ponto de Encontro, que eram caixas, e os fanzines da edição de 2001 que foi lá em Santo Amaro, foi precisamente com a intenção de pegar uma ideia de há muitos anos de criar aquilo que era até para ser, salvo erro, era até para se fazer em Santo Amaro, na Hemeroteca de Santo Amaro.


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