Por circunstâncias várias vejo-me obrigado a iniciar esta crónica com uma confissão: Tenho uma hora para fechar a minha crónica, que ainda nem sequer comecei a escrever. Contudo, a razão não se prende com falta de tema. – antes pelo contrário – pois ele já me anda no pensamento desde os finais da semana passada.
Outros compromissos têm-me tirado a oportunidade de ir escrevendo, pelo que resolvi começar agora para não atrasar o fecho do jornal.
Feita a confissão cabe agora dizer o pecado: vou-me plagiar.
Em Janeiro de 1999, aquando da entrevista para o meu primeiro volume de ALMADA – GENTE NOSSA, solicitei ao amigo e companheiro Dr. Alexandre Castanheira que nos falasse do jovem que aos 16 anos lutava contra o regime de Salazar e que passado pouco tempo – já militante do Partido Comunista – foi obrigado a passar à clandestinidade, foi peremptório:
«A minha passagem à clandestinidade ficou-se a dever à praticamente impossibilidade de continuar a luta na legalidade. Com efeito, já no final do meu curso de Histórico-Filosóficas fui preso pela PIDE, como medida de segurança salazarista pelo facto de se realizar em Lisboa uma reunião da NATO. Posto em liberdade ao fim de dois meses, apenas a gozo quinze dias, volto a ser preso e fico em Caxias mais três meses. Recusam-me fazer os exames de licenciatura sob prisão e, como não concluo o curso, mandam-me para a tropa. Faço-a como soldado-cadete durante seis meses e, já com as divisas de oficial miliciano, prendem-me no quartel (Mafra) e volto para Caxias para mais seis meses, passando noventa e dois dias isolado. Desta vez levam-me a tribunal Plenário, tendo aguardado julgamento em liberdade por ter sido entregue pelo meu advogado uma caução. Enquanto preso voltam a não me deixar concluir os exames de licenciatura. Que futuro seria o meu, sem abdicar da luta? Uma vez absolvido e devolvido à liberdade, decido desaparecer e continuar o combate na clandestinidade. Foram quinze anos de entusiasmo e de sacrifícios, de vitórias e algumas derrotas, um tempo inolvidável de conhecimentos de homens e mulheres extraordinários, meus mestres políticos fossem eles operários, trabalhadores rurais, professores, intelectuais, artistas...Vida difícil do ponto de vista económico como do ponto de vista familiar, mas exaltante.»
Decorrida quase uma década, ao ler o seu livro OUTRAR-SE ou a longa invenção de mim (2003), fiquei a saber que naquele dia de Janeiro, estava defronte do Edgar; do Fontes; do Jorge; do Carlos; do Alberto; do Furtado Leal; do diplomata François; do Henri o provençal judeu; do Claude; do Xavier que acabou por dar uma boleia ao agente Felismino; do Mário um suposto engenheiro de minas; do Carlos; do Marc; do professor Sousa que, morto de saudades e com receio de perder a família, resolve pôr fim a quinze anos de clandestinidade ciente da sua atitude em deixar de «ser praia deserta» e do Alex que ruma para terras de França «num viver excluído», mas com orgulho em ser operário e sindicalista entre muitos compatriotas, pois a chama dos seus ideais continuava com mais alento dentro de si. Com esforço e afinco depois do trabalho, Alex volta à Faculdade concluindo uma licenciatura em Literatura Moderna.
Em suma, um Homem marcado por uma vida sofrida, encarnada em vários pseudónimos, que eu admiro e respeito – mas que por força do destino – não foi baptizado por Edgar, mas sim por Alexandre, pois nele existe decisão e tenacidade.
As palavras que acima transcrevo são uma das muitas peças integrantes de um puzzle da vida de um grande mestre na arte da escrita. Certeiro nas ideias e de rara beleza na prosa, Alexandre Castanheira faz deste seu livro – em meu entender – uma das suas melhores obras, a juntar ao seu vasto espólio.
Em OUTRAR-SE, o seu peculiar dom de romancear, faz desta sua autobiografia, um testemunho histórico verdadeiro de um Portugal que renasceu pela intervenção cívica e política de homens como ele.
Outros compromissos têm-me tirado a oportunidade de ir escrevendo, pelo que resolvi começar agora para não atrasar o fecho do jornal.
Feita a confissão cabe agora dizer o pecado: vou-me plagiar.
Em Janeiro de 1999, aquando da entrevista para o meu primeiro volume de ALMADA – GENTE NOSSA, solicitei ao amigo e companheiro Dr. Alexandre Castanheira que nos falasse do jovem que aos 16 anos lutava contra o regime de Salazar e que passado pouco tempo – já militante do Partido Comunista – foi obrigado a passar à clandestinidade, foi peremptório:
«A minha passagem à clandestinidade ficou-se a dever à praticamente impossibilidade de continuar a luta na legalidade. Com efeito, já no final do meu curso de Histórico-Filosóficas fui preso pela PIDE, como medida de segurança salazarista pelo facto de se realizar em Lisboa uma reunião da NATO. Posto em liberdade ao fim de dois meses, apenas a gozo quinze dias, volto a ser preso e fico em Caxias mais três meses. Recusam-me fazer os exames de licenciatura sob prisão e, como não concluo o curso, mandam-me para a tropa. Faço-a como soldado-cadete durante seis meses e, já com as divisas de oficial miliciano, prendem-me no quartel (Mafra) e volto para Caxias para mais seis meses, passando noventa e dois dias isolado. Desta vez levam-me a tribunal Plenário, tendo aguardado julgamento em liberdade por ter sido entregue pelo meu advogado uma caução. Enquanto preso voltam a não me deixar concluir os exames de licenciatura. Que futuro seria o meu, sem abdicar da luta? Uma vez absolvido e devolvido à liberdade, decido desaparecer e continuar o combate na clandestinidade. Foram quinze anos de entusiasmo e de sacrifícios, de vitórias e algumas derrotas, um tempo inolvidável de conhecimentos de homens e mulheres extraordinários, meus mestres políticos fossem eles operários, trabalhadores rurais, professores, intelectuais, artistas...Vida difícil do ponto de vista económico como do ponto de vista familiar, mas exaltante.»
Decorrida quase uma década, ao ler o seu livro OUTRAR-SE ou a longa invenção de mim (2003), fiquei a saber que naquele dia de Janeiro, estava defronte do Edgar; do Fontes; do Jorge; do Carlos; do Alberto; do Furtado Leal; do diplomata François; do Henri o provençal judeu; do Claude; do Xavier que acabou por dar uma boleia ao agente Felismino; do Mário um suposto engenheiro de minas; do Carlos; do Marc; do professor Sousa que, morto de saudades e com receio de perder a família, resolve pôr fim a quinze anos de clandestinidade ciente da sua atitude em deixar de «ser praia deserta» e do Alex que ruma para terras de França «num viver excluído», mas com orgulho em ser operário e sindicalista entre muitos compatriotas, pois a chama dos seus ideais continuava com mais alento dentro de si. Com esforço e afinco depois do trabalho, Alex volta à Faculdade concluindo uma licenciatura em Literatura Moderna.
Em suma, um Homem marcado por uma vida sofrida, encarnada em vários pseudónimos, que eu admiro e respeito – mas que por força do destino – não foi baptizado por Edgar, mas sim por Alexandre, pois nele existe decisão e tenacidade.
As palavras que acima transcrevo são uma das muitas peças integrantes de um puzzle da vida de um grande mestre na arte da escrita. Certeiro nas ideias e de rara beleza na prosa, Alexandre Castanheira faz deste seu livro – em meu entender – uma das suas melhores obras, a juntar ao seu vasto espólio.
Em OUTRAR-SE, o seu peculiar dom de romancear, faz desta sua autobiografia, um testemunho histórico verdadeiro de um Portugal que renasceu pela intervenção cívica e política de homens como ele.
As vivências dos seus heterónimos, fazem-nos ver com nitidez “pôr entre as vidraças da memória” como foi dura e sofrida a luta por si encetada.
Tanto antes como depois da Liberdade, Alexandre Castanheira tem liderado vários movimentos sociais e culturais, desempenhando um papel preponderante a favor do progresso e da transformação humana, valores que se fundem na mesma alma e num só corpo.
Não se escondeu nas trincheiras de uma clandestinidade aburguesada, mas sim na luta com os operários, sem nunca abdicar da sua capacidade de intervir. O caminho era as suas ideias e por isso não se deixou Outrar.
Assumindo com coragem e determinação esta sua memória, guardiã do travo de tristezas e mágoas de um abandono forçado, por amar a Liberdade.
OUTRAR-SE ou a longa invenção de mim é, irreversivelmente, a sua própria tatuagem. Um livro inquestionável na sua vasta bibliografia, pela narração densa envolvida num impressionante realismo perturbador, ao ponto de o lermos num sopro.
Alertando como foi penoso alcançar a Democracia, o autor continua persistente na necessidade de arregaçar as mangas, para não deixar que a primavera de esperança que os cravos de Abril floriu, dê lugar à resignação e à vil tristeza de um povo sem ambição.
Voltando de novo a plagiar-me, «Almada tem registado, no decorrer dos anos, um vasto lote de figuras, que através da sua intervenção social e política, têm feito desta cidade, erigida à beira do Tejo, um ponto de referência e, porque não, um marco ímpar na própria história do movimento associativo e cultural português.»
Obrigado amigo Alexandre Castanheira, a sua luta antifascista e a sua intervenção cívica foi reconhecida com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade.
Contudo, Almada – seu berço natal – ainda lhe deve muito e como bom filho que é, merece o preito de uma justa homenagem pública – em que o ponto mais solene seja a atribuição da Medalha de Ouro da Cidade – pois só assim se reconhece os elementos fundamentais, para que os vindouros almadenses vejam em si uma fonte de inspiração e de orgulho, para alicerçar o seu futuro.
Artur Vaz*
*Jornalista e escritor
Artigo publicado no Jornal Notícias de Almada nº 139 de 14 de Março de 2008
Tanto antes como depois da Liberdade, Alexandre Castanheira tem liderado vários movimentos sociais e culturais, desempenhando um papel preponderante a favor do progresso e da transformação humana, valores que se fundem na mesma alma e num só corpo.
Não se escondeu nas trincheiras de uma clandestinidade aburguesada, mas sim na luta com os operários, sem nunca abdicar da sua capacidade de intervir. O caminho era as suas ideias e por isso não se deixou Outrar.
Assumindo com coragem e determinação esta sua memória, guardiã do travo de tristezas e mágoas de um abandono forçado, por amar a Liberdade.
OUTRAR-SE ou a longa invenção de mim é, irreversivelmente, a sua própria tatuagem. Um livro inquestionável na sua vasta bibliografia, pela narração densa envolvida num impressionante realismo perturbador, ao ponto de o lermos num sopro.
Alertando como foi penoso alcançar a Democracia, o autor continua persistente na necessidade de arregaçar as mangas, para não deixar que a primavera de esperança que os cravos de Abril floriu, dê lugar à resignação e à vil tristeza de um povo sem ambição.
Voltando de novo a plagiar-me, «Almada tem registado, no decorrer dos anos, um vasto lote de figuras, que através da sua intervenção social e política, têm feito desta cidade, erigida à beira do Tejo, um ponto de referência e, porque não, um marco ímpar na própria história do movimento associativo e cultural português.»
Obrigado amigo Alexandre Castanheira, a sua luta antifascista e a sua intervenção cívica foi reconhecida com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade.
Contudo, Almada – seu berço natal – ainda lhe deve muito e como bom filho que é, merece o preito de uma justa homenagem pública – em que o ponto mais solene seja a atribuição da Medalha de Ouro da Cidade – pois só assim se reconhece os elementos fundamentais, para que os vindouros almadenses vejam em si uma fonte de inspiração e de orgulho, para alicerçar o seu futuro.
Artur Vaz*
*Jornalista e escritor
Artigo publicado no Jornal Notícias de Almada nº 139 de 14 de Março de 2008
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