terça-feira, 30 de outubro de 2007

Entrevista com Marco Franco e Miguel Paulitus (Almada, 1995)

Em 1995, quando o movimento cultural “alternativo” de Almada começava a conquistar espaço e visibilidade, a “música moderna” era um dos pilares mais fortes dessa “movida” juvenil.
A revista Sem Mais (de Setúbal) publicava, em Novembro desse ano, uma entrevista com dois intervenientes nesse processo: o famoso Paulitus e o conceituado Marco Franco.

Sem Mais - Porquê esta proliferação de bandas no concelho de Almada?

Paulitus – Tem a ver com uma certa tradição. A partir do final dos anos 70, com o advento do movimento punk era habitual as pessoas juntarem-se em garagens para fazer música. Outra razão é que, em Almada, sempre existiu um grande espírito de colectivismo. Enquanto nos outros lados um gajo arranja um sampler ou coisa parecida e faz quase tudo sozinho, aqui o pessoal junta-se e faz uma banda.

Marco Franco – Eu não dou grande importância a isso, porque há músicos em todo o lado, não apenas Almada. Se as pessoas quiserem, fazem as suas bandas.
Depois, fazer uma banda é complicado, é preciso conjugar as várias personalidades que a compõem e ter um espaço onde as pessoas se possam encontrar para ensaios e para desenvolver as suas ideias. Isso nem sempre é fácil de conseguir.

SM – Notas alguma evolução no panorama da música moderna portuguesa?

Marco – Sim. Os músicos preocupam-se mais com a sua formação e estão a tocar melhor. Há a perspectiva de o músico valorizar o seu trabalho, no sentido de não tocar apenas numa banda, como acontecia até há pouco. Há muitos que tocam em várias bandas e isso tem de ser encarado de uma maneira natural. Afinal de contas aquela ideia de que alguém só podia pertencer à “sua” banda, está desactualizada, é absurda e revela pobreza de espírito.

SM – Isso quer dizer que os músicos dão mais importância à música propriamente dita do que à possibilidade de ter uma banda?

Marco – Sim. Eu, por exemplo, participo em várias.

Paulitus – Há mesmo maiores preocupações técnicas e até mesmo estéticas. Por exemplo, há cada vez mais pessoal de bandas a frequentar escolas de música, e mesmo no Conservatório (onde às vezes apanham alguns vícios). Há a preocupação de poder mostrar mais qualquer coisa, até porque cada vez há mais músicos e isso dá origem a uma “concorrência” saudável. Saber tocar bem é muito importante para o público de Almada; até porque aqui “o público” acaba por ser os músicos. As bandas de Almada, quando tocam na sua terra, “tremem de responsabilidade”. Quando vão para outros lados, para a província ou para Lisboa (que é quase a mesma coisa) ficam um pouco mais à vontade.

SM – Nota-se que, em Almada, há muitas bandas mas poucos concertos. Porquê?

Marco – O circuito é muito restrito. Em Almada, não existe uma única sala para fazer regularmente este tipo de espectáculos. Mesmo em Lisboa, só no Johnny Guitar é que se fazem espectáculos com regularidade. Nas rádios de Almada não existem programas de divulgação de música alternativa. O mesmo se passa na generalidade das rádios locais. Por tudo isto, uma banda “de garagem” que não tenha contrato com uma editora ou outros meios de divulgação, terá sempre maiores dificuldades em conseguir fazer concertos. E depois, há alguma tendência de certas editoras em deter o monopólio dos circuitos e trabalharem só com as bandas que já são conhecidas.

Paulitus – Exactamente. E um produtor, ou um organizador de espectáculos, que queira atrair público e dinheiro, não arrisca com bandas desconhecidas.

SM – No entanto, apareceram agora algumas editoras independentes...

Marco – É verdade, e essas editoras já estão a dar oportunidades aos músicos desconhecidos. Eu espero que essas editoras cresçam e ganhem força para divulgar os novos valores e outras formas de expressão musical, sem ser a música mais comercial.

SM – Mas aí começava a “entrar” a questão dos lucros...

Marco – O que é óptimo: quanto mais a editora ganhar, mais ganham as bandas. É preciso divulgar a música alternativa para ganhar o mercado. Eu penso que isso é perfeitamente possível. Mas há também uma questão de cultura musical. Cada vez mais as pessoas preocupam-se em conhecer as novas tendências da música actual, sem se preocuparem com “rótulos”.

Paulitus – É também uma questão de consciência por parte dos músicos, que deviam estar mais unidos na defesa dos seus interesses. O melhor seria criarem as suas próprias editoras, os seus próprios meios de divulgação e de organização de concertos.

SM – No caso concreto de Almada, existem ideias para a criação de uma associação de músicos?

Paulitus – Sim, e já se fizeram reuniões com várias bandas para conretizar o projecto. Até já existe o nome: Associação Livre de Músicos de Almada (ALMA). A ideia seria criar uma espécie de lobby. Há vontade, mas faltam os espaços para trocar ideias. O único espaço que existe é a Casa Municipal da Juventude (Ponto de Encontro, em Cacilhas), mas para que funcionasse bem seria necessário que tivesse mais actividade, mais concertos. Por outro lado, os músicos de Almada não sabem bem quais são os meios de que podem dispor: não sabem que existem salas de ensaios na Casa da Juventude. Existem outros espaços na cidade, armazéns abandonados, que poderiam servir... Outra questão é a taxa aplicada aos instrumentos musicais. Os governos ainda não perceberam que se trata de um instrumento de trabalho e não de um objecto de luxo. Fala-se muito no problema do desemprego, mas se acabassem com esse imposto, tenho a certeza que muitos músicos se tornariam profissionais, diminuindo em muito o desemprego juvenil. Pelo menos em Almada. E é bom não esquecer que a actividade musical pode também contribuir para minorar os problemas relacionados com a droga e a delinquência juvenil: quem faz uma coisa criativa e ganha algum dinheiro com isso certamente não pensa ir “arrumar carros”.

Entrevista de António Vitorino
(Publicada na revista Sem Mais, edição 21. Setúbal, Novembro 1995.)

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