terça-feira, 30 de outubro de 2007

Histórias da “Música Moderna” em Almada: «Tocam pelo papel?...»

Em 1997, no auge do crescimento das “bandas de garagem” almadenses, o semanário local Sul Expresso tentava fazer um “ponto da situação”. Aqui vai o texto completo desse artigo:


No concelho de Almada são inúmeros os grupos de jovens que se dedicam a expressões musicais “alternativas”. O movimento, já antigo, tem crescido nos anos mais recentes. Mas, se as bandas são muitas, grandes são também as dificuldades que enfrentam.

Almada tem revelado nomes importantes no panorama musical português. Casos como os UHF ou os Xutos e Pontapés são sobejamente conhecidos. Mais recentes, os Da Weasel constituem outro bom exemplo de grupo que, nascido em Almada, ganhou fama e reconhecimento junto de largas franjas de público.
Na “rectaguarda”, algumas dezenas de agrupamentos tentam impor o seu trabalho. Tarefa dificultada pela falta de locais de ensaio, pela escassez de concertos e pelo «alheamento por parte da comunicação social», dizem-nos.
Ainda assim, há quem assegure que no copncelho «existem pero de uma centena de bandas». É o que diz Rui Pereira, funcionário da Casa Municipal da Juventude de Almada. «Temos um registo de bandas que aponta nesse sentido» garante. E acrescenta que «na recente Quinzena da Juventude, prevíamos ter 30 grupos a participar, mas chegaram-nos o dobro das candidaturas; e se a estes juntarmos os que ainda não têm condições para tocar ao vivo, chegamos à conclusão de que devem andar por aí mais de cem bandas!».

Faltam salas para concertos

A “Mostra” anual integrada na Quinzena da Juventude (em Março) é das poucas oportunidades dadas às bandas para revelarem o seu trabalho. A falta de locais apetrechados para acolher concertos é uma das principais dificuldades referidas pelos músicos. Em Almada, o “Ponto de Encontro” – Casa Municipal da Juventude (CMJ) reúne essas condições. A autarquia adquiriu aparelhagem de som para espectáculos do género. Mas os elementos das bandas não estão satisfeitos porque «raramente se fazem lá concertos».
Rui Pereira responde: «a CMJ é o local indicado para as bandas darem concertos; nós estamos totalmente receptivos, é só virem até cá, fazerem propostas para actuarem aqui».
Com mais ou menos espectáculos, a CMJ é, no entanto, excepção. No concelho, apenas meia-dúzia de bares abrem as portas às bandas de “música moderna”. Mas, conforme refere Miguel Aarons, vocalista dos “Jardins de Pedra”, «esse circuito é muito limitado, porque certo tipo de bandas mais “barulhentas” não são aceites». Normalmente, acrescenta, «eles dão prioridade a concertos acústicos: nós, por exemplo, não vamos tocar a esses bares». Aarons refere que «até há pouco tempo o Ginásio Clube de Corroios era o local que dava mais oportunidades, mas parece que agora está um bocado parado...».

Música, serradura, ovelhas e porcos

Os Jardins de Pedra são dos grupos mais activos na margem sul. Com ano e meio de existência, já deram muitos concertos por todo o país. Um caso de persistência e de boa gestão: levam «muito a sério» a divulgação do seu trabalho. Mas, também eles, enfrentam dificuldades quotidianas. «Temos ensaiado nos sítios mais estranhos», diz o vocalista. «Primeiro, estivémos numa vacaria; agora ensaiamos numa serração, em Vale de Milhaços». Pelo meio, algumas histórias curiosas. «Quando estávamos na vacaria, tinhamos um espectador: um pastor que passava por lá com um rebanho de ovelhas. Um dia, o homem encosta-se ao cajado, fica a ver-nos ensaiar e, no fim, pergunta: vocês tocam pelo papel?».
Aarons responde que «na banda só eu tenho formação clássica, portanto sei ler pauta; mas isso para nós não é importante». Outro caso “exemplar”: «agora que estamos na serração, como é também um espaço emprestado, ficamos sujeitos à disponibilidade do dono do local; hoje, por exemplo, não ensaiámos porque o homem foi lá matar um porco!».
Mais divertido que preocupado, Aarons acrescenta que «nesse aspecto também não somos muito exigentes: onde existir corrente eléctrica, nós ensaiamos». Apesar do pó de serradura: «para não estragar os instrumentos só deixamos lá o bombo da bateria...».

Gravar é prioridade

Outras bandas têm problemas semelhantes. No Feijó, alguns agrupamentos ocupam (partilham) uma garagem. Mas, dizem os membros dos Blood Quest, «aquilo fica numa zona de habitação e, nos primeiros tempos, tivémos problemas com os vizinhos por causa do barulho; até foi lá a fiscalização da Câmara». Apesar das dificuldades, a maior parte das bandas reconhece que «essas soluções acabam por ser as melhores, até porque alugar um estúdio para ensaios custa muito dinheiro».
Juntar dinheiro para gravar é outra ambição das bandas contactadas pelo SulExpresso. Em estúdio estão os Glide, gravando uma maquete, «só com três temas, para divulgar junto da comunicação social e das entidades que promovem concertos», diz Ivan, o baterista da banda.
Os elementos dos Glide não divulgam o “preço” pago pela gravação. Já Miguel Aarons adianta que «a cassete dos Jardins de Pedra, que foi gravada em quatro estúdios diferentes, custou cerca de 80 contos».
Um passo decisivo para melhorar a “vida” das bandas seria, na opinião dos entrevistados, a criação de um novo espaço da Câmara Municipal de Almada. Trata-se da Quinta de Santo Amaro, no Laranjeiro, imóvel adquirido há vários anos pela autarquia. Para o local, estão projectados estúdios de ensaios e gravação, bem como uma sala de espectáculos, a que os músicos já chamam «rockódromo». Mas, alegadamente por falta de financiamentos, a autarquia tem adiado a concretização do equipamento.
As bandas esperam. Mas não desesperam: do trabalho persistente e “subterrâneo” alguma coisa de substancial há-de nascer. Grupos como os Monsterpiece já começam a dar nas vistas (e nos ouvidos, pois então). E, da actual quantidade, outros se preparam para o salto qualitativo. «Almada ainda tem muito para dar à música moderna», é o recado final.


António Vitorino

(Publicado no jornal Sul Expresso. Almada, Abril de 1997)

Um comentário:

sid bichos disse...

eu vi um concerto dos JARDINS DE PEDRA na festa do AVANTE e fiquei deslumbrado.gostava de saber se gravaram alguma demo e se possivel adquiri-la..