A propósito da exposição documental
“Romeu Correia: vida e obra”
patente ao público entre 28 de Setembro e 30 de Novembro de 2007, na Casa Pargana – Arquivo Histórico Municipal de Almada, um “texto de apoio” à referida mostra:
É rica a obra literária que Romeu Correia legou à comunidade. Escreveu para testemunhar a vida e os problemas do seu tempo. Desde a sua estreia literária em Sábado Sem Sol (1947), Romeu Correia, com a sua natural vocação e coerência, aperfeiçoou o seu ofício da arte de escrever novelas, contos, peças teatrais, crónicas. Um poeta na prosa dos seus romances ou nos diálogos do seu teatro. A sua singularidade literária não estava numa escrita barroca, nem na abordagem de temas alheios ou na novidade de estrutura textual. A originalidade estava na voz do povo - o âmago da sua admiração, com a qual se identificou e a que se orgulhou pertencer. O instinto de saber mergulhar, com coragem e transparência, na história das gentes da Outra Banda com quem conviveu. O próprio autor quando agradeceu o Prémio Ricardo Malheiros - 1976, que lhe foi entregue pelo presidente da Academia das Ciências, pronunciou as seguintes palavras: «(...) fui testemunha dos trabalhos forçados da grande maioria do povo deste País, e isso nunca eu o poderia esquecer ao pegar na pena para elaborar as minhas histórias ou meus dramas. Meio século de espectáculo, por vezes tão degradante, de pequenas e grandes injustiças e atropelos de classe, sentidos até na própria carne, constituiu pois alfobre de temas e de figuras que a sociedade me impôs, com severa prioridade, para os meus trabalhos. Nunca poderia enveredar, portanto, sem traição de consciência (e de classe, pois então!), por caminhos ínvios, cuidando de gentes e de lugares doutros quadrantes, alheios, sem dúvida, à minha sensibilidade e ao meu coração. O concelho de Almada, torrão que me foi berço e de que, pela vida fora, jamais me apartei, identificando-me com o seu latejar quotidiano, é quase sempre o cenário físico onde animo os conflitos sociais da minha novelística ou do meu teatro. Raro desloco a objectiva para outras paisagens, embora o meu ofício e a minha imaginação exercitada me tentem, de quando em vez, apartar-me de tantos mundos que me são queridos».
Romeu Correia foi classificado por alguns críticos literários como um escritor populista. Fernando Mendonça foi categórico: «o facto de Romeu Correia utilizar o povo, o seu romanceiro, os fantoches ou o colorido da alma popular não lhe confere fisionomia populista». O autor faz parte daquela plêiade de dramaturgos, dos quais se destacam: Luís Francisco Rebelo, Bernardo Santareno e Luís Sttau Monteiro que a partir do pós-guerra procuraram imprimir ao teatro português uma orientação realista de estrutura mais imaginativa.
Ficcionista cuja obra está profundamente marcada por traços de uma personalidade original. Escreveu Trapo Azul, Calamento, Gandaia, Desporto-Rei, Bonecos de Luz, O Tritão, Cais do Ginjal - romances que suscitaram da parte da crítica as seguintes palavras: «é um dos poucos escritores portugueses com alguma coisa que dizer e com coragem de dizer quanto vê, quanto pensa, quanto sonha».
Como dramaturgo, foi um dos autores mais representados, quer por amadores, quer por equipas profissionais. A carreira dramática de Romeu Correia caracterizou-se por uma aplicada coerência. Todo o nosso pais conhece as peças teatrais: Casaco de Fogo, O Vagabundo das Mãos de Oiro, Jangada, Bocage, Laurínda, Céu da Minha Rua, O Cravo Espanhol, Roberta, Grito no Outono, As Quatro Estações, Tempos Difíceis, O Andarilho das Sete Partidas, A Palmatória, entre outras. Um dramaturgo seguro do seu ofício de recriador do quotidiano imaginado e autêntico, de maravilhoso e vulgar, de artificioso e real -, só Romeu Correia seria capaz de escrever peças como O Vagabundo das Mãos de Oiro, Bocage, O Andarilho das Sete Partidas. Ler uma peça da sua autoria é sentir os personagens no palco. Como defendeu António José Saraiva: a «maior revelação teatral do neo-realismo está em Romeu Correia, autor de O Vagabundo das Mãos de Oiro. Desde a primeira página o leitor sente que as suas personagens vivem e contracenam».
Contador de histórias, romancista, dramaturgo, coloquiador admirável, dinamizador cultural, ele é também a memória falada do passado próximo e remoto das gentes da Outra Banda. Romeu Correia é um artista que viveu no meio do seu povo, junto da margem do rio Tejo com
as suas tradições, vicissitudes e vivências associativas.
Homem com fiéis admiradores, legenda viva, direi mais, uma figura lendária de que Almada e suas gentes legitimamente se orgulham.
Com esta exposição pretende-se dar a conhecer um síntese da actividade literária de Romeu Correia ao público em geral e, em particular, aos professores, estudantes e aos mais novos que ainda desconhecem a vida e obra do escritor almadense .
(Alexandre Flores, texto de apoio à exposição documental “Romeu Correia: vida e obra”. Edição Câmara Municipal de Almada, 2007. As imagens são da mesma publicação.)
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
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